A chegada da minissérie Senna à Netflix é um evento aguardado não apenas pelos fãs de automobilismo, mas também por quem admira o impacto de Ayrton Senna no cenário esportivo mundial. Com seis episódios que dramatizam a vida e a carreira do tricampeão de Fórmula 1, a produção certamente impressiona por sua escala e qualidade técnica. Contudo, ao mesmo tempo que empolga em alguns aspectos, também deixa a desejar em outros, equilibrando-se entre momentos de brilho e tropeços que comprometem sua profundidade.
De cara, é impossível não se encantar com o cuidado técnico. As cenas de corrida são um espetáculo à parte, mesclando efeitos práticos e visuais de forma inovadora. A reprodução fiel de carros e circuitos icônicos, aliada ao uso de tecnologia avançada, como telões de LED e plataformas simuladoras de movimento, transporta o espectador diretamente para o universo da Fórmula 1. Essas escolhas técnicas garantem uma experiência imersiva, recriando o drama e a emoção das pistas com um realismo impressionante. Nesse quesito, Senna eleva o patamar das produções brasileiras, mostrando que podemos competir de igual para igual com grandes projetos internacionais.
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Outro ponto alto da série é o retrato das rivalidades e tensões nos bastidores do automobilismo. A relação de Senna com Alain Prost, um dos maiores antagonistas de sua carreira, é bem explorada, revelando tanto a competitividade feroz quanto os momentos de respeito mútuo. Essa abordagem mais crua é um acerto, mostrando que o piloto não era um herói infalível, mas alguém com falhas e momentos de explosão emocional. A escolha de destacar conflitos com a mídia inglesa e sua luta por espaço em um esporte dominado por europeus adiciona camadas ao personagem, humanizando a figura muitas vezes idealizada do piloto brasileiro.
Narrativa chapa-branca
Porém, é na narrativa que Senna deixa a desejar. Com apenas seis episódios para cobrir uma vida tão rica e complexa, a série acaba patinando na superfície de vários momentos importantes. Os primeiros anos de Ayrton na Fórmula 1, correndo pela Toleman e Lotus, são tratados de forma apressada, sem aprofundar as dificuldades que ele enfrentou para se firmar no cenário competitivo. Outro ponto que decepciona é a abordagem de sua vida pessoal, que recebe um tratamento quase superficial. A relação com Adriane Galisteu, por exemplo, é mencionada de forma tão breve que mal deixa impacto, uma escolha que parece refletir a interferência da família Senna na produção. Essa falta de neutralidade enfraquece a narrativa, deixando de explorar aspectos controversos e interessantes da vida do piloto.
Além disso, o tom "chapa-branca" se faz presente ao longo de toda a série. Apesar de abordar a personalidade intensa e, às vezes, explosiva de Ayrton, o roteiro parece hesitar em ir além do óbvio. A escolha de não se aprofundar nos defeitos e contradições do piloto acaba resultando em uma história mais higienizada do que autêntica. Essa decisão, possivelmente influenciada pela participação da família Senna no projeto, tira da série o potencial de oferecer uma visão verdadeiramente multifacetada do protagonista.
Ainda vale assistir?
Ainda assim, não dá para negar que Senna tem seus méritos e cumpre bem a função de entreter e emocionar. As cenas de corrida, somadas à trilha sonora impactante e às atuações sólidas, especialmente de Gabriel Leone, garantem momentos de alta energia e imersão. Para quem busca reviver a nostalgia dos anos dourados de Ayrton na Fórmula 1 ou conhecer mais sobre ele, a série oferece uma porta de entrada acessível e visualmente deslumbrante.
Em resumo, Senna é um exemplo clássico de produção que divide opiniões. Por um lado, encanta com sua grandiosidade técnica e cenas de ação eletrizantes; por outro, decepciona pela falta de profundidade e pelo excesso de reverência ao protagonista. É uma obra que merece ser assistida, mas que poderia ter sido muito mais, caso tivesse ousado explorar todas as nuances de um personagem tão icônico. Assim, quem assistir deve estar preparado para encontrar tanto momentos de puro deleite quanto de frustração. Afinal, nem todo piloto consegue vencer todas as corridas — e o mesmo vale para as produções que tentam contar suas histórias.