Atuação de Silvero Pereira eleva 'Maníaco do Parque', mas roteiro decepciona

Silvero Pereira brilha na pele do Maníaco do Parque, mas o roteiro falho e inconsistente faz o filme ser menor do que poderia; leia a crítica

Quando falamos em crimes que chocam a sociedade, é impossível não sentir o peso das histórias verdadeiras que moldam a maneira como percebemos o mundo ao nosso redor. O filme "Maníaco do Parque", disponível na Prime Video, tenta nos colocar frente a frente com essa realidade, explorando um dos casos mais brutais da história criminal do Brasil. Mas será que ele realmente consegue nos levar para o olho do furacão ou se perde em suas próprias escolhas narrativas?

"Maníaco do Parque" retrata a trajetória do serial killer Francisco de Assis Pereira, condenado no final dos anos 1990 por ter atacado 23 mulheres e assassinado 11 delas, utilizando o Parque do Estado, em São Paulo, como cenário de seus crimes. Francisco se tornou conhecido pela forma fria e calculista com que atraía suas vítimas, prometendo oportunidades de trabalho como modelos. Essa premissa, apesar de trágica e perturbadora, é o que motiva a narrativa do longa-metragem dirigido por Maurício Eça.

O destaque inicial do filme vai para a escolha do elenco. Silvero Pereira brilha ao dar vida ao papel de Francisco, trazendo uma atuação intensa e multifacetada. Desde o começo, é notável como ele consegue equilibrar as nuances do personagem, oscilando entre a figura comum do motoboy simpático e o olhar sombrio e distante de um psicopata. Sua performance é envolvente, e é nela que se apoia a maior parte da força do filme. Pereira transforma cenas que poderiam parecer simples em momentos que realmente provocam desconforto no espectador, mostrando a habilidade de explorar a escuridão sem cair em clichês.

No entanto, enquanto as atuações seguram a tensão e dão credibilidade ao enredo, o roteiro de "Maníaco do Parque" deixa a desejar. A trama parece indecisa sobre qual história realmente quer contar, alternando entre os pontos de vista do assassino e da fictícia jornalista Elena Pellegrino, interpretada por Giovanna Grigio. A personagem de Elena é uma criação inventada pelo roteiro para simbolizar as mulheres que cobriram o caso nos anos 90, mas sua inserção no filme se mostra problemática.

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Elena trabalha no jornal Notícias Populares, um dos maiores pilares do jornalismo sensacionalista dos anos 90, e luta contra o preconceito e o machismo de seus colegas, tentando se firmar em um ambiente dominado por homens. Essa abordagem, que poderia ser uma excelente oportunidade para discutir questões de gênero no jornalismo, acaba sendo tratada de maneira superficial e um tanto forçada. Embora Grigio entregue uma atuação convincente e emocionalmente intensa, o desenvolvimento de sua personagem carece de profundidade. O roteiro parece mais interessado em utilizá-la como uma ferramenta para impulsionar a trama do que em desenvolver sua jornada pessoal de forma substancial.

Um dos pontos mais críticos é o desequilíbrio narrativo que surge quando a história tenta dar igual importância tanto a Elena quanto a Francisco. Enquanto o lado de Francisco é tratado com a seriedade e o peso que um criminoso desse calibre merece, o arco de Elena às vezes parece cair em armadilhas do melodrama e em exageros típicos de um thriller investigativo. Ela é apresentada como uma jovem jornalista que, contra todas as probabilidades, se torna a principal responsável por desvendar o caso.

Essa construção, embora dramatizada para criar uma protagonista cativante, acaba soando inverossímil diante do contexto real de uma época em que grandes veículos e experientes repórteres disputavam cada nova pista sobre os crimes.O filme tenta ainda abordar o dilema ético dentro do jornalismo, expondo como os meios de comunicação frequentemente colocam a busca pelo sensacionalismo acima da humanidade das vítimas. Essa crítica é válida e ressoa especialmente nos dias atuais, mas, paradoxalmente, o próprio longa oferece pouco espaço para essas vítimas se destacarem. Além da personagem Cristina, interpretada por Bruna Mascarenhas, as demais mulheres acabam sendo tratadas mais como instrumentos para movimentar a trama do que como figuras complexas que merecem uma voz própria. Esse contraste enfraquece a proposta do filme de focar em uma perspectiva mais empática e feminista.

No que diz respeito à ambientação, "Maníaco do Parque" acerta ao recriar a São Paulo dos anos 90. A cidade é quase um personagem à parte, com suas ruas e parques servindo de cenário para as operações de Francisco e as investigações de Elena. Essa autenticidade é reforçada por uma trilha sonora que traz músicas da época, criando uma atmosfera que transporta o público diretamente para os acontecimentos daquele período. Esse é um aspecto que contribui para a imersão no enredo e nos lembra como esses eventos chocaram a sociedade brasileira há mais de duas décadas.

Embora a direção de Maurício Eça mostre firmeza na construção das cenas mais tensas e gráficas, há momentos em que o filme parece hesitar em como retratar a violência. As cenas dos ataques são intensas, mas não exageradamente explícitas, o que é uma escolha sensata para evitar a exploração gratuita do sofrimento das vítimas. No entanto, essa moderação não é suficiente para mascarar a falta de foco narrativo que permeia toda a obra.

No fim das contas, "Maníaco do Parque" se destaca mais pelas atuações do que pelo enredo em si. Silvero Pereira e Giovanna Grigio são os pilares que sustentam a trama, trazendo interpretações que oscilam entre o desconforto e a emoção, enquanto os personagens secundários dão suporte adequado, mas sem grandes surpresas. A tentativa de abordar um caso real com uma perspectiva fictícia e feminista é interessante, mas a execução acaba deixando uma sensação de que algo ficou faltando – seja uma exploração mais profunda das motivações do assassino ou um desenvolvimento mais convincente do arco de sua protagonista.

Como uma adaptação de um true crime, o filme falha em se estabelecer como um marco no gênero. Ele oferece um bom entretenimento para quem gosta de histórias baseadas em crimes reais, mas não consegue alcançar a profundidade necessária para ser lembrado como uma obra essencial. "Maníaco do Parque" funciona melhor como um ponto de partida para revisitar um caso que chocou o Brasil, provocando reflexões sobre justiça, jornalismo e os limites da busca pela verdade. Mas como ficção, ele tropeça nas próprias ambições e nas tentativas de encontrar o equilíbrio entre contar uma história verídica e criar um drama cativante.

Em resumo, se você é fã do gênero true crime, vai encontrar em "Maníaco do Parque" atuações poderosas que fazem valer a pena conferir a produção. No entanto, não espere uma narrativa que vá muito além do básico ou que ofereça uma perspectiva inovadora sobre os eventos que marcaram a época. O filme fica preso entre ser uma homenagem às vítimas e uma tentativa de explorar a psicologia de um assassino, sem conseguir mergulhar de fato em nenhum dos dois. É uma obra que intriga, mas que não chega a causar o impacto que poderia.