Quando um filme de terror é capaz de explorar não só os sustos e os efeitos visuais, mas também mexer com nossas emoções e dilemas pessoais, sabemos que estamos diante de algo especial. Abraço de Mãe, filme que chega ao catálogo da Netflix nesta quarta (23), faz exatamente isso. Ele mergulha o espectador em um horror que vai além do sobrenatural, explorando traumas familiares, a relação com o passado e, claro, o medo do desconhecido. Se você é fã de terror psicológico e cósmico, prepare-se para uma experiência intensa e visceral.
No centro da trama, temos Ana, interpretada por Marjorie Estiano. Ela é uma bombeira que, logo após retornar de uma licença de saúde mental, se vê em meio a uma missão perigosa: evacuar um lar de idosos prestes a desabar durante uma tempestade épica em 1996, no Rio de Janeiro. A premissa inicial poderia parecer mais um drama de resgate, mas Abraço de Mãe rapidamente revela que há muito mais em jogo. Os residentes do asilo, misteriosos e desconfiados, recusam-se a deixar o local, como se estivessem protegendo algo... ou alguém.
A tensão começa a se acumular à medida que Ana e sua equipe percebem que o perigo não está apenas na estrutura condenada do edifício, mas também nos próprios moradores. O que parecia ser uma evacuação simples se transforma em um jogo mortal onde segredos sombrios e entidades cósmicas começam a surgir. Um dos pontos mais interessantes do filme é como ele joga com a nossa percepção de realidade, misturando o trauma pessoal de Ana com a ameaça sobrenatural que ronda o asilo.
A construção da atmosfera é um dos grandes trunfos de Abraço de Mãe. O diretor Cristian Ponce faz um excelente trabalho ao equilibrar os elementos clássicos do horror cósmico com uma abordagem emocionalmente carregada. As tempestades violentas, a mansão decadente e os detalhes sutis de produção (como os corredores sombrios e os cômodos cheios de segredos não ditos) criam uma sensação constante de desconforto. É como se o próprio cenário fosse um personagem à parte, vivo e pulsante, prestes a desmoronar a qualquer momento.
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O enredo também é permeado por flashbacks que nos levam ao passado traumático de Ana, revelando a complexa relação com sua mãe, que tentou matá-la quando ela ainda era uma criança. Essa camada adicional de narrativa faz com que o espectador se conecte ainda mais com a protagonista, compreendendo suas motivações e o peso emocional que carrega. Não é apenas uma luta contra monstros físicos, mas também uma batalha interna, contra seus próprios demônios.
E por falar em monstros, Abraço de Mãe se destaca ao não entregar tudo de bandeja. Os elementos de horror cósmico, inspirados em H.P. Lovecraft, são introduzidos de forma gradual. Em vez de exibir uma criatura gigantesca logo de cara, o filme brinca com a imaginação do espectador, sugerindo o horror que está por vir. Os tentáculos que deslizam pelos corredores e o mistério que envolve a água — que parece ser o catalisador para algo muito maior — mantêm o suspense em alta até o clímax, quando finalmente somos confrontados com a verdadeira ameaça.
As performances do elenco são sólidas, com destaque para Marjorie Estiano, que consegue transmitir uma vulnerabilidade contida, mas ao mesmo tempo uma força incrível. Sua personagem está sempre à beira do colapso, mas nunca perde o foco em sua missão. A interação entre Ana e os outros personagens, como Ulisses (Javier Drolas), o administrador sinistro do asilo, e Drica (Ângelo Rebelo), a enigmática dona do local, contribui para a sensação crescente de desconfiança e perigo.
Outro aspecto que merece atenção é a forma como o filme lida com o tema do culto. Diferente de outras produções que abordam seitas de forma exagerada ou caricata, aqui temos uma abordagem mais sutil e sinistra. Os moradores do asilo parecem estar envolvidos em algo maior, algo que remete a rituais antigos e forças além da compreensão humana. A relação deles com a entidade que habita os subterrâneos do asilo é deixada propositalmente ambígua, o que só aumenta o fascínio pelo que realmente está acontecendo ali.
Cristian Ponce, que também co-escreveu o roteiro, demonstra uma compreensão profunda do gênero. Ele consegue criar uma obra que equilibra o medo do desconhecido com uma trama emocionalmente rica. O terror aqui não é apenas sobre criaturas monstruosas ou aparições fantasmagóricas; é sobre as cicatrizes que carregamos e como o passado pode nos assombrar tanto quanto qualquer ser sobrenatural.
No entanto, Abraço de Mãe não é um filme perfeito. Alguns momentos podem parecer previsíveis para os fãs mais experientes do gênero, e certos elementos do roteiro poderiam ter sido melhor desenvolvidos, como o papel da jovem Lia (Maria Volpe), que surge como uma peça-chave na trama, mas cuja história poderia ter sido mais explorada. Ainda assim, esses detalhes não diminuem a força do filme como um todo.
O clímax é, sem dúvida, um dos momentos mais impactantes do filme. A revelação do que está realmente por trás das ações dos moradores e a luta final de Ana para salvar não apenas sua vida, mas também sua sanidade, culminam em um desfecho tenso e visualmente impressionante. E, apesar do uso moderado de CGI, o filme consegue entregar cenas memoráveis, onde o terror cósmico atinge seu ápice.
No fim das contas, Abraço de Mãe se destaca no cenário atual do terror não apenas por sua abordagem do horror cósmico, mas também por seu coração. É um filme que mistura medo e emoção de forma eficaz, criando uma experiência imersiva e perturbadora. Se você está procurando um filme de terror que vai além dos sustos baratos e entrega uma história rica em camadas e simbolismos, este é definitivamente um título para sua lista.
Então, se você ainda não viu, prepare-se para um mergulho em águas perigosas — literalmente. Abraço de Mãe é um daqueles filmes que vai te fazer pensar duas vezes antes de encarar uma tempestade... e talvez até antes de revisitar certas memórias do passado.